quarta-feira, 5 de setembro de 2012

LIVING 2012 apela a líderes mundiais pela proteção das PVHA

Dias antes da 19ª Conferência Internacional de AIDS começar em Washington, D.C., diversas outras pré-conferências foram realizadas. Uma delas foi o LIVING 2012, evento que reuniu pessoas vivendo com HIV/AIDS (PVHA) de 85 países. Ao final, as PVHA participantes apelaram aos líderes mundiais para aumentar o acesso ao tratamento de qualidade, proteger e promover os direitos das pessoas vivendo com HIV, envolvendo-as na expansão da resposta à epidemia.

Em LIVING 2012 as PVHA também apelaram à comunidade de pessoas que vivem com HIV para incluírem em seu ativismo e liderança a capacidade de efetivamente atender as necessidades de todas as pessoas vivendo com HIV/AIDS, especialmente jovens, mulheres e membros das populações-chave, como homens que fazem sexo com homens, profissionais do sexo e pessoas que usam drogas.

“LIVING 2012 foi uma oportunidade incrível para as pessoas que vivem com HIV discutirem as questões mais importantes para todos nós”, disse Kevin Moody, presidente da Rede Global de Pessoas Vivendo com HIV (GNP +). “Essas reuniões globais são essenciais para determinar o terreno comum entre as pessoas que vivem com HIV e para definir como a resposta ao HIV pode ser mais eficaz, eficiente e inclusiva”, refletiu.

Os debates centraram-se em três áreas de interesse para as PVHA: acesso ao tratamento, prevenção, cuidados e apoio; Direitos Humanos, e Desenvolvimento da Comunidade e Ativismo. Em torno desses temas, as PVHA pediram leis de proteção a ser implementadas, executadas e monitoradas por todas as nações. A proteção aos direitos humanos deve incluir a igualdade para as mulheres, os homens que fazem sexo com homens e as populações LGBT, pessoas profissionais do sexo e pessoas que usam drogas. Houve consenso de que o estigma e a discriminação, em particular a criminalização do HIV, violam a dignidade humana e impedem a resposta ao HIV em todos os níveis.

As PVHA participantes de LIVING 2012 relataram diferentes experiências relacionadas ao acesso ao tratamento, prevenção, cuidados e apoio. No entanto, houve uma forte concordância que o acesso ao tratamento de qualidade e prevenção deve estar disponível para todas as pessoas, inclusive de todas as populações mais vulneráveis. Este acesso só pode ser realizado de forma eficaz quando acontece sob a égide de Saúde Positiva, Dignidade e Prevenção.

Embora os efeitos preventivos do tratamento de qualidade sejam uma excelente oportunidade para se evitar novas infecções, não houve consenso sobre o tema devido às preocupações com a falta de evidência científica para a eficácia do tratamento precoce. Envolvidas ainda questões sobre possíveis violações aos direitos humanos, além da necessidade de concentrar, em primeiro lugar, o acesso ao tratamento com base nas necessidades médicas das pessoas que vivem com HIV.

Participantes LIVING2012 apresentaram essas mensagens para discussão em AIDS 2012 destacando as necessidades reais das PVHA durante os workshops e outras sessões. Além disso levaram de volta a suas comunidades esta experiência de aprendizagem combinadas a mensagens de advocacy.

LIVING 2012, 13ª Conferência Internacional de Pessoas que Vivem com HIV, foi organizado pela Rede Global de Pessoas Vivendo com HIV (GNP+). Sabia mais em www.living2012.org.

Participei de AIDS 2012 por indicação da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS (RNP+ Brasil) para compor a delegação oficial brasileira, com recursos do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Brazil: do the homework!


Ativistas brasileiros: the dream is over!
“Brasil, faça a lição de casa!” Foi com esta frase que ativistas brasileiros deixaram a manifestação na frente do estande oficial do Brasil, em AIDS 2012 e se dirigiram à sala de imprensa. Foi a primeira manifestação do movimento social que invadiu o “media center”. Atrás de nós vieram os redutores de danos e uma ONG indiana, que protestava contra o acordo de medicamentos que a Índia está fechando com a União Europeia e que vai dificultar a produção de medicamentos genéricos no país.

Mas, voltando ao Brasil, todas as pessoas do movimento social brasileiro presentes à conferência internacional de AIDS, em Washington, D.C., estavam na manifestação. Eu, que fiquei responsável apenas por fazer algumas fotos não resisti e, como meus companheiros de ativismo, amarramos nossas bocas com uma fita vermelha com a palavra “danger” (perigo) e interrompemos a apresentação de samba empunhando cartazes com frases que denunciaram a situação da epidemia de AIDS no país, cerca de 10h30 em DC (11h30 em Brasília).

A fita foi a estratégia que usamos para não nos confundirmos com o inglês, além de denunciar a censura que temos sofrido e os critérios estritamente políticos de aprovação de alguns projetos da sociedade civil. E Jorge Beloqui e Alessandra Nilo tomaram o microfone e deram nosso recado, enquanto um de nós usava a mesma fita para isolar o estande brasileiro. O recado: o governo tem sufocado o movimento social, dificultando o controle social. O melhor programa de AIDS do mundo morreu e está matando a sociedade civil brasileira. O governo da presidente Dilma tem sistematicamente se dobrado aos evangélicos, censurando a campanha de carnaval e o kit anti-homofobia. ONG estão fechando as portas etc., etc., etc.

Hoje, o governo dos Estados Unidos fará uma doação de US$ 2 milhões a um novo fundo, criado para ações de combate à AIDS. Há dois dias, integrantes do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde têm questionado os ativistas presentes em Washington perguntando se são mais bem-vindos os US$ 2 milhões de Hillary Clinton ou os R$ 7 milhões lançados em editais. Perguntaram a mim e a dois outros ativistas. Pensam que não sabemos fazer contas. Dos R$ 7 milhões (que representam cerca de US$ 3,5 milhões), parte é para o edital de fóruns e redes recém-lançado, cujo montante deve ser utilizado em dois anos. Qual é a diferença?

Além disso, os EUA têm uma cultura de doações de pessoas físicas e jurídicas. Na Marcha sobre Washington, há dois dias, quando chegamos aos jardins da Casa Branca, logo chegaram pacotes e mais pacotes de garrafas de água. Também foi passada uma bandeira de Washington, onde as pessoas punham dinheiro. Faça-se isso no Brasil e veja o quanto se recolhe.

A algumas pessoas, o Departamento de AIDS tem dito que o trabalho das ONG deveria ser voluntário. Mais? Quem sobrevive com R$ 1.500 de coordenação de um projeto para ser executado por dois anos com uma carga de 40 horas semanais? Sem recolhimento de INSS, FGTS, IRPF: ou seria melhor chamar isso de semiescravidão? Brasil, mostra sua cara, diga-nos quem paga pra assassinar paulatinamente o melhor programa de AIDS do mundo. Brasil, mostra sua cara, faça a lição de casa para voltar a ser o melhor programa de AIDS do mundo, com a participação e cooperação da sociedade civil.

Participo de AIDS 2012 por indicação da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS (RNP+ Brasil) para compor a delegação oficial brasileira, com recursos do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Hillary dá a deixa e ativistas marcham sobre DC


Hillary fala à AIDS 2012 (Ryan Rayburn/IAS)
Certamente por motivos de segurança, Hillary Clinton não foi anunciada. Mas foi ovacionada quando chegou à plenária desta segunda-feira da AIDS 2012. Diante dos aplausos, a secretária de Estado norte-americano disse, brincando, que não seria possível uma haver uma conferência internacional de AIDS sem manifestações da sociedade civil.

A brincadeira de Hillary parece ter sido a deixa para as diversas manifestações realizadas a partir do meio-dia desta terça-feira, por toda a cidade, que literalmente pararam a capital dos EUA. As cinco manifestações encontraram-se em frente aos jardins da Casa Branca e basicamente pediam mais recursos financeiros para a luta contra a epidemia. Não apenas para as pesquisas básicas, mas para a sociedade civil.

Mas, voltando à aplaudidíssima secretária de Estado, Hillary disse que estava naquela sessão para anunciar uma meta. “Mas antes disso deixem-me dizer cinco palavras que por muito tempo não fomos capazes de dizer: bem-vindos aos Estados Unidos da América. Estamos satisfeitos em finalmente tê-los aqui conosco novamente”, disse, referindo-se às restrições à entrada de pessoas soropositivas nos EUA, retiradas em 2010.

A secretária de Estado não falou apenas à audiência da primeira sessão plenária da AIDS 2012, mas, principalmente, aos ativistas norte-americanos que vêm criticando o governo de Barack Obama por não ter incluído no orçamento de 2013 recursos para o PEPFAR (o programa do presidente para o combate à AIDS). “PEPFAR está mudando emergencialmente para que possamos construir sistemas de saúde sustentáveis, que irão nos ajudar a finalmente ganhar essa luta para ter uma geração sem AIDS. Quando o presidente Obama tomou posse, nós sabíamos que se quiséssemos vencer a luta contra a AIDS não podíamos continuar a tratá-la como uma emergência. Tivemos que mudar fundamentalmente a maneira, como nossos parceiros globais fizeram.”

Apesar de não ter citado as populações mais vulneráveis à infecção pelo HIV, como homens que fazem sexo com homens, negros, latinos e transexuais, Hillary falou principalmente das mulheres, pois seu propósito ali era anunciar um adicional de US$ 80 milhões para a prevenção vertical do HIV. “Estamos empenhados em erradicar a transmissão do HIV da mãe para a criança até 2015. Já investimos mais de US$ 1 bilhão para esta meta ao longo dos anos. Acessamos mais de 370 mil mulheres no mundo no primeiro semestre deste ano fiscal e esperamos acessar mais 1,5 milhões de mulheres até o próximo ano”, anunciou a secretária de Estado, acrescentando “toda mulher deve ser capaz de decidir quando e se quer ter filhos. Isto é verdade se ela é HIV-positiva ou não. E eu concordo com a forte mensagem da Cúpula de Londres sobre Planejamento Familiar no início deste mês. Não deve haver controvérsia sobre isso. Nenhuma”. O discurso em inglês de Hillary, na íntegra, pode ser acessado na página da secretaria de Estado norte-americano, bem como o vídeo de seu pronunciamento.

Hoje, parece que a marcha sobre Washington foi para lembrar, não apenas aos EUA, mas aos governantes de todo o mundo, que apesar da falta de recursos a sociedade civil ainda está viva. E em alerta. E pronta para cobrar-lhes as promessas.

Participo de AIDS 2012 por indicação da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS (RNP+ Brasil) para compor a delegação oficial brasileira, com recursos do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde.

domingo, 22 de julho de 2012

Sharon Stone abre XIX Conferência Internacional de AIDS em Washington, DC; Obama não aparece

A atriz Sharon Stone, em foto Steve Shapiro/IAS
Vestida com um pretinho básico, mas com um reluzente colar de brilhantes, a atriz Sharon Stone abriu há pouco a AIDS 2012. Logo em seguida, entregou o prêmio Liz Taylor a dois ex-prisioneiros do Irã, pela luta deles pelos Direitos Humanos. Um vídeo com imagens de diversos momentos lembrou o envolvimento de Taylor contra a AIDS.

Depois de 22 anos, é a primeira vez que uma conferência de AIDS volta a ser realizada nos EUA. A próxima, em 2014, será em Melbourne, na Austrália. Mas, enquanto apenas inicia-se esta 19ª conferência internacional para a qual 10 mil resumos de trabalhos científicos ou de experiências exitosas foram submetidos, 20 mil delegados de 200 países são esperados além de 800 bolsistas, mais de dois mil jornalistas e 700 voluntários para 250 sessões, cerca de 300 atividades na Aldeia Global e de 150 sessões satélite que se iniciaram no meio da semana.

Segundo comunicado do Centro de Mídia de AIDS 2012, a conferência internacional volta a solo americano em um momento definitivo para a epidemia de AIDS nos EUA. Neste mais recente comunicado os números foram refeitos para 23 mil delegados de 195 países, o que não interessa muito, mas dá pra saber a dimensão de uma conferência deste porte. O objetivo final permanece o mesmo: dar fim à epidemia de AIDS que há mais de 30 anos já ceifou milhões de vidas em todo o mundo.

“Voltamos aos EUA depois de 22 anos, num momento de grande esperança, pois acreditamos na possibilidade de acabar com a AIDS”, disse Elly Katabira, presidente internacional de AIDS 2012 e da Sociedade Internacional de AIDS (IAS, na sigla em inglês, instituição organizadora das conferências de AIDS). Exultante, Katabira acredita, ainda, que esta conferência é uma excelente oportunidade para agradecer e mostrar ao povo norte-americano os milhões de vidas salvas graças à ajuda dos EUA na luta mundial contra a AIDS e nas pesquisas sobre o HIV.

A co-presidente norte-americana da conferência, Diane Havlir afirmou que houve um grande progresso sobre a epidemia nos últimos 30 anos, mas que não é possível permanecer assim. “Minha mensagem para todos os legisladores do mundo que estão em D.C. é que invistam em ciência, invistam na epidemia – vocês vão salvar vidas”, pediu Havlir.

Ela e Katabira pediram aos delegados presentes e aliados em todo o mundo que assinem a Declaração de Washington,D.C., que convoca à renovação da urgência e busca obter amplo apoio para poder acabar com a epidemia de AIDS.

“Nos 22 anos que se passaram desde que a conferência foi realizada em solo americano tivemos alguns êxitos esperados no campo da ciência e do tratamento”, disse Kathleen Sebelius, secretária norte-americana de Saúde e Serviços Humanos. “Mas este não é o momento de mudar o foco. Para alcançar nosso objetivo, que é chegar a uma geração sem AIDS, devemos fazer mais – para alcançar inclusive a mais pessoas, para que os programas sejam mais efetivos e responsáveis, para avançar ainda mais no campo da ciência.”

“Há um progresso sustentável na resposta à AIDS que acelera nosso caminho para chegar a zero transmissões por HIV”, afirmou Michel Sidibé, diretor executivo do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS). “A luta contra a AIDS tem mostrado o caminho para mudar o rumo. Temos a responsabilidade de assegurar que as lições apreendidas no campo da AIDS informem e melhorem nossos esforços para alcançar outros objetivos, sobretudo a erradicação da pobreza”, disse Jim Yong Kim, presidente do Banco Mundial.

Falaram, ainda, durante a abertura de AIDS 2012, Vincent Gray, prefeito de Washington, D.C., o secretário geral da ONU Ban Ki-moon (por mensagem e vídeo), a congressista norte-americana Barbara Lee, e o embaixador do Zimbábue Mark Dybul. A última conferência internacional de AIDS foi realizada em 1990 em San Francisco e foi proibida de ser realizada nos EUA por causa da restrição à entrada de pessoas infectadas pelo HIV ou doentes de AIDS no país. Apenas após a derrubada desta restrição, em 2010 é que a IAS permitiu a realização de uma nova conferência em solo norte-americano.

Participo de AIDS 2012 por indicação da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS (RNP+ Brasil) para compor a delegação oficial brasileira, com recursos do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde.

No metrô de Washington


Cartazes de variados temas tentam captar a atenção das mais diversas populações foram afixados nas estações do metrô de Washington, D.C. Este é apenas um deles, que diz: Decidindo o momento: "tomando o controle e começando o tratamento". Muito legal!

Incremento da AIDS entre latinos preocupam EUA

Em algumas horas começa a AIDS 2012 – XIX Conferência Internacional de AIDS. Pelos monitores disponíveis na sala de imprensa se veem pessoas trabalhando nos últimos ajustes para a sessão plenária. No piso superior, filas de delegados se formam para seus pegarem seus materiais e, principalmente, seus crachás de identificação.

Pela manhã, participei de um evento satélite que pretende criar uma rede latina que visa a um futuro sem HIV/AIDS nos EUA. Interessante a fala de Kurt Organista, professor da escola de bem estar social da Universidade da Califórnia. Segundo ele, a prevenção do HIV está baseada em 86% aos modelos biomédicos e apenas 14% aos modelos das Ciências Sociais. Para Organista, os modelos de prevenção deveriam basear-se 50% de cada um dos modelos.

Para a porto-riquenha Miriam Vega, vice-presidente e diretora de pesquisa e avaliação da Comissão Latina sobre AIDS, criada no Bronx, em Nova York, três contextos de vulnerabilidade são fundamentais para a os crescentes índices de HIV/AIDS entre latinos nos EUA: avaliabilidade, acessibilidade e aceitabilidade, que influenciam extremamente nos determinantes estruturais: pobreza, estigma e criminalidade.

Nos EUA, a incidência e a prevalência do HIV crescem assustadoramente entre latinos e diminuindo entre brancos, segundo informou Mario Perez, diretor da Divisão de Programas sobre HIV e DST do Departamento de Saúde Pública do Condado de Los Angeles, Califórnia, e responsável por um orçamento de US$ 100 milhões anuais. Segundo ele, latinos em LA preferem ser identificados como PVHA a serem identificados como homossexuais, pois a homofobia é muito grande, levando latinos à pobreza e à marginalidade. Perez terminou sua fala com uma provocação: “quem são as vozes latinas em LA?”

Problemas decorrentes da imigração e da migração, tais como isolamento, depressão, subemprego, pobreza, falta de moradia, prisão e deportação são fundamentais para acrescer vulnerabilidade aos latinos nos EUA, segundo Thomas Painter, do Centro de Controle de Doenças (CDC), em Atlanta. Para ele, são necessários ações criativas para envolver as comunidades latinas afetadas pela epidemia.

Os EUA têm mais de um milhão de pessoas vivendo com HIV e AIDS, das quais 80% conhecem sua sorologia e apenas 33% estão em terapia antirretroviral.

Participo de AIDS 2012 por indicação da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS (RNP+ Brasil) para compor a delegação oficial brasileira, com recursos do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Deception or hope never dies

Estou arrumando as malas. Embarco à noite para Washington, D.C., onde participo da XIX International AIDS Conference – AIDS 2012. Estava bastante esperançoso com esta conferência, que não acontece nos EUA desde 1990. Minha esperança era que fosse anunciada uma nova descoberta contra a AIDS, como aconteceu em 1996 em Vancouver, no Canadá, e que o presidente Barack Obama participasse da cerimônia de abertura, dia 22. Afinal ele está em campanha eleitoral e pouco antes da Conferência de Viena, realizada em 2010, os EUA retiraram as restrições para a entrada de pessoas vivendo com HIV/AIDS no país, facilitando a realização desta em Washington.

Mas acabo de ler no The Washington Times que Obama será representado pela secretária de Estado Hillary Clinton e a secretária de Saúde e Serviços Humanos Kathleen Sebelius. O ex-presidente Bill Clinton e a ex-primeira-dama Laura Bush falarão na conferência e suas presenças foram confirmadas anteriormente, como a de Bill Gates e sir Elton John, por exemplo. A Fundação Clinton financia a aquisição de medicamentos de comunidades africanas e pesquisas de vacinas contra o HIV; no governo George W. Bush foi lançado o Plano de Emergência do Presidente para o Alívio da AIDS (PEPFAR, na sigla em inglês). Segundo o jornal, a proposta de orçamento de Obama para 2013 não contempla o PEPFAR, mas a Casa Branca reafirmou seu empenho no combate à AIDS.

O Brasil não deve ser bem recebido em Washington, avalia Pedro Chequer, coordenador do UNAIDS no Brasil, em entrevista publicada no blog do jornalista Roldão Arruda. Para Chequer, ex-diretor do extinto Programa Nacional de DST/AIDS (atualmente Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais), o país, que teve destaque em outras conferências pelo “pioneirismo das políticas públicas de prevenção ao vírus e tratamento da síndrome [...] vem perdendo a vanguarda na área de prevenção”, devido ao sucesso de grupos religiosos que têm influenciado decisões governamentais contrárias à difusão de informação correta sobre saúde pública às populações mais vulneráveis à infecção pelo HIV.

Fui indicado pela Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS (RNP+ Brasil) para compor a delegação oficial brasileira que participará da conferência, com a missão específica de informar a rede sobre minhas impressões das sessões plenárias, das apresentações de trabalhos, do que eu ver. Vou tentar fazer isso por aqui e pelo meu twitter, pois o site da RNP+ Brasil está sendo reformulado.

Ontem, o laboratório Gilead Sciences anunciou que os EUA liberaram o antirretroviral Truvada para profilaxia para reduzir o risco de infecção pelo HIV, segundo informações da Agência Reuters. Um dia antes do início de AIDS 2012, o Brasil inaugura fábrica de medicamentos antirretrovirais em Maputo, capital de Moçambique, na África. A propósito do tema da conferência – “Revertendo a Maré em Conjunto” –, a Sociedade Internacional de AIDS (IAS) e a Universidade da Califórnia (UCSF) lançaram a Declaração de Washington, D.C, para acabar com a epidemia do HIV/AIDS, e que colhe assinaturas online. Por isso, como anunciei no título, apesar da decepção com a ausência de Obama e o que ela pode significar para o combate à epidemia não apenas nos EUA, mas em todo o mundo, a esperança nunca morre.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Não subestime a inteligência alheia ou cadê a campanha do Carnaval?


Você viu a campanha do Carnaval 2012 de prevenção à AIDS? Se não viu no Facebook, no site do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, ou nos canais do Departamento e do Ministério da Saúde no YouTube, você provavelmente não verá. No último dia 02 de fevereiro, o ministro da Saúde Alexandre Padilha esteve na Escola de Samba da Rocinha para lançar a campanha oficial de prevenção à Aids para o carnaval.

Composta por cartazes, folders, bandanas etc., a campanha trazia uma referência inédita: num dos cartazes, pessoas se divertem na folia de Momo de um carnaval que pode ser em Salvador ou Olinda. No primeiro plano, afastados dos demais foliões, mas parecendo estar num beco, um casal formado por um homem e uma travesti começa a se abraçar. Na linha do tórax dele e dos seios dela, uma faixa com a frase “isso rola muito”. Ao lado, duas borboletas trazem cada uma uma camisinha. Abaixo dos insetos, outra faixa traz a frase “esperar por isso não rola”. Embaixo desta última frase, sobre um preservativo masculino desenrolado, a oração “na empolgação rola de tudo. Só não rola sem camisinha. Tenha sempre a sua”. Mais abaixo, as assinaturas do Sistema Único de Saúde (SUS), do Ministério da Saúde e do governo federal do Brasil.

Nunca antes na história deste país uma campanha de carnaval deu-se ao luxo de priorizar a população de travestis e transexuais. Mas, de uma forma ou de outra, a pasta da Saúde está sendo coerente com o discurso sobre essa população, que o ministro defendeu em discurso na Assembleia Mundial da Saúde, realizada no primeiro semestre do ano passado, na sede da Organização das Nações Unidas, em Nova York.

Mas os cartazes não serão vistos porque dificilmente chegarão a tempo às secretarias estaduais de Saúde (SES), que deveriam fazer a distribuição. Mas as SES não os distribuem porque eles não chegam a tempo da logística poder distribui-los aos municípios e estes, às organizações não governamentais parceiras, segundo o princípio de descentralização do SUS.

Mas, e o vídeo da campanha? Antes de responder a esta pergunta, permita-me descrevê-los. Sim, neste ano foram produzidos dois vídeos. Um deles é protagonizado por um casal heterossexual (um rapaz e uma moça). O casal hétero se conhece brincando o Carnaval na mesma cidade que a travesti. Eles saem da folia e vão a uma praia, deitam-se na areia e a moça pergunta ao rapaz se ele tem camisinha. Uma voz em off diz que isso rola muito. Mas, antes mesmo que ela possa ficar desapontada, surge de um buraco na areia um caranguejo – ou siri – trazendo uma camisinha a eles. E a voz novamente diz que esperar por isso não rola, que na empolgação rola de tudo e que por isso é sempre bom que se tenha uma camisinha para essas ocasiões.

No outro vídeo, ambientado numa balada, um rapaz vai ao balcão e pede uma bebida à garçonete, que depois de entregar-lhe o drink, também dá a ele um bilhete, olhando à direita. Um outro rapaz sorri ao primeiro. Os dois se aproximam, conversam, sentam-se num sofá e começam a se abraçar. Até que um deles pergunta se o outro tem camisinha. Novamente, a voz em off. E, antes que o que perguntou se decepcione com a negativa, surge uma fadinha trazendo ao casal gay uma camisinha. De novo, a voz diz que esperar por isso não rola e que na empolgação rola de tudo.

Os vídeos seriam dirigidos a heterossexuais e gays, respectivamente. Com as peças audiovisuais, pretendia-se sensibilizar a jovens entre 15 e 24 anos, faixa etária em que a disseminação do HIV ainda é alta. Seriam porque não serão vistos. Foram vetados pelo ministro. Uma fonte disse que o ministro considerou-os abusadinhos demais.

Campanhas de prevenção de doenças fazem parte das estratégias de comunicação do Ministério da Saúde com a população brasileira. Tais estratégias são amplamente discutidas no âmbito das conferências de Saúde, pois o Art. 196 da Constituição Cidadã de 1988 atribui ao Estado a responsabilidade pela garantia do direito à saúde de todos, “mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Além do Art. 196, a Carta Magna dispõe sobre a Saúde nos artigos 197, 198, 199 e 200. Regulamentam tais artigos as leis 8.080/90 e 8.142/90, além de decretos, portarias, normas, pactos etc.

Para elaborar uma campanha de prevenção, o Departamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde define, segundo dados epidemiológicos, a população a ser sensibilizada, que eles nomeiam por “público alvo”. A prioridade é apresentada ao Grupo de Trabalho (GT) de Comunicação, que tem participantes do próprio Departamento, da Assessoria de Comunicação (Ascom) do Ministério da Saúde, da agência de publicidade, do movimento social e da universidade. Essa participação é preconizada pelo inciso III do Art. 198 da Constituição.

Por causa de algumas campanhas consideradas mais polêmicas, até a Ascom da Presidência da República tem de aprovar as campanhas federais. No caso da Saúde, só é submetida a campanha depois de aprovada pela Ascom do Ministério. Se a campanha foi lançada e o ministro considerou os vídeos avançadinhos demais, significa que ele lançou a campanha na Rocinha sem assisti-los?

Por dois anos, eleito pelo movimento social de luta contra a AIDS no Brasil, fiz parte deste GT. Às vezes percebia que duas ou três vírgulas do que falávamos eram ouvidas. Noutras vezes, nem isso. Fiquei bastante satisfeito quando, logo no primeiro ano de participação, o Departamento voltou atrás na intenção de produzir uma campanha de carnaval com pessoas vivendo com HIV/AIDS. Meu argumento era de que sem uma sensibilização anterior, que poderia ser feita pela campanha do Dia Mundial de Luta contra a AIDS, seríamos ainda mais discriminados. Foi o recuo do Departamento que me levou a repensar a campanha e a sugerir que o GT retomasse a discussão para a campanha do Dia Mundial, o que realmente aconteceu, abrindo espaço para que as pessoas que vivem com HIV/AIDS pudessem também estar na campanha do carnaval do ano seguinte.

Paralelamente à redação desta postagem, uma discussão foi travada nas redes sociais e em algumas listas de discussão. Um representante dos jovens gays interpelou o Ministério, que deu a ele a seguinte resposta: “A campanha de aids está passando por ajustes técnicos, os filmes estão sendo legendados para proporcionar acessibilidade para os deficientes visuais. Em breve, a campanha será lançada em rede nacional de televisão.” Oi??? Filmes legendados para deficientes visuais???

Em 2005, a campanha do Dia Mundial de luta contra a AIDS deveria sensibilizar a população negra. O vídeo custou R$ 15 milhões e não passou nenhuma vez na TV até hoje. No ano passado, o filminho pífio que o Ministério da Saúde fez para o mesmo dia 1º de dezembro passou apenas uma única vez na TV. Não se sabe quanto custou.

Eu vi os vídeos legendados. Portanto, digam que sou chato, que não gosto de nada – o que não é verdade, pois já elogiei campanhas do governo federal neste blog –, etc. Mas não subestimem a minha inteligência. Nem a de ninguém, porque isso é violência institucional a uma das populações que mais precisam ser sensibilizadas. Isso é um atentado ao direito humano à informação à saúde.

PS: os comentários estão abertos, sem moderação. Como sempre estiveram, porque a expressão ainda é livre neste país.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Sexo, drogas, rock and roll e Aids

O ator James Franco (127 Horas, 2010) viverá o ambicioso fotógrafo Robert Mapplethorpe no cinema, projeto da cineasta Ondi Timoner. A informação foi divulgada pelo Hollywood Reporter, site especializado em notícias sobre cinema. O polêmico fotógrafo morreu de Aids em março de 1989, aos 42 anos.

Sem nunca revelar uma única foto, Mapplethorpe alçou a fotografia à condição de arte, principalmente por seu inquietante olhar sobre as práticas gays sadomasoquistas, seu desejo por corpos de homens negros nus e por seus vasos de flores, que a yuppie década de 1980 transformou em desejo de consumo das sociedades norte-americana e europeia.

Com o drama, Mapplethorpe voltará à mídia. Antes de morrer, e já sabendo que estava infectado pelo HIV, o fotógrafo norte-americano montou e definiu a missão da Fundação Mapplethorpe, responsável por proteger e preservar sua obra e por contribuir financeiramente para as pesquisas científicas contra a Aids, além de pessoalmente ter contratado a jornalista Patricia Morrisroe para escrever sua biografia.

Mapplethorpe, uma biografia chegou às livrarias dos EUA em 1995, foi traduzido para o português e publicado pela Editora Record no Brasil no ano seguinte. Talvez a rapidez com a qual o livro foi traduzido seja responsável por alguns problemas com a edição brasileira, esgotada.

Com 15 páginas de fotos, pelo menos duas fotografias não constam da edição brasileira: a foto do túmulo do fotógrafo e a capa da revista Artforum. O túmulo de Mapplethorpe nem poderia ter uma foto, pois ele foi cremado e suas cinzas foram enterradas com o caixão de sua mãe, Joan, que morreu alguns dias depois do filho. Há também algumas frases truncadas no livro, sem sentido aparente.

Também, a notícia de um medicamento para a Aids que o livro nomeia por CD4, que na verdade é um exame de rotina que conta as células de defesa do organismo, fundamental para que os médicos saibam como está a progressão do vírus no corpo das pessoas infectadas pelo HIV. Além disso, alguns nomes só aparecem na parte final da biografia e Morrisroe não narra – que eu me lembre – como foi feita a foto do artista plástico Andy Warhol, ídolo do fotógrafo.

Só garotos, memórias de Patti Smith
Apesar disso, a biografia de Mapplethorpe deve ser lida paralelamente a Só Garotos, da escritora e roqueira Patti Smith, que foi companheira do fotógrafo e dividiu com ele a cama e o sustentou por longos períodos nos anos 1960 e 1970. O livro de memórias de Smith, publicado nos EUA e no Brasil (Companhia das Letras) em 2010, foi uma promessa da escritora feita ao fotógrafo em seu leito de morte, em Boston.

Se Morrisroe nomeia a sexualidade de Mapplethorpe por homossexualismo, Smith é politicamente correta e a nomeia por homossexualidade. Se Morrisroe às vezes passa por cima de alguns fatos importantes da vida da dupla, como o longo tempo em que o casal viveu no hotel Chelsea, em Nova York, Smith relata com detalhes as circunstâncias que levaram os jovens pretendentes a artistas a morar no hotel.

Foi no Chelsea que Mapplethorpe e Smith conheceram a fina flor do rock, do cinema, da literatura e das artes plásticas norte-americana. Foi lá também que ficaram amigos de pessoas que lhes favoreceram a entrada a esse mundo regado a glamour, sexo e drogas. Por fim, se Morrisroe escreveu seu livro baseado nas 16 entrevistas que fez com o fotógrafo e com centenas de pessoas que passaram pela vida de Mapplethorpe, Smith recorre apenas a suas memórias.

Se incomodam os erros na biografia escrita por Morrisroe, supostamente pela rapidez da tradução para o português, como aventado acima, a mesma rapidez com que o livro de Smith foi traduzido e publicado no Brasil não tropeçou nos mesmos obstáculos. Se a biografia escrita por Morrisroe está esgotada (pode ser encontrada na Estante Virtual)as memórias de Smith ainda estão nas livrarias.

Quando Mapplethorpe voltar à mídia pelo drama que James Franco irá estrelar no cinema, a Editora Record deve relançar a biografia do fotógrafo, o que será uma ótima oportunidade para revisar a edição do livro lançado há quase 16 anos no Brasil. Leitores e fãs do polêmico fotógrafo agradecerão.

Livros:
Mapplethorpe, uma biografia. De Patricia Morrisroe. Editora Record, 1996. Esgotado, disponível na Estante Virtual. R$ 15 a R$ 60.
Só garotos. De Patti Smith. Companhia das Letras, 2010. R$ 39.